A história de Boa Esperança do Norte (MT), o mais recente município oficializado no país e que prevê eleger no próximo ano seu primeiro prefeito e vereadores, começa nos anos 1970.
Foi quando o catarinense de Videira e descendente de italianos Alberto Francio, 76, chegou ao estado com seus irmãos e se instalou inicialmente em Cuiabá, de onde migraram para Sorriso, atuaram na formação da cidade –emancipada em 1986– e iniciaram a colonização do ainda distrito.
Calebe Francio, 42, seu filho e atual subprefeito, poderá ser eleito no ano que vem para comandar o novo município numa articulação feita por produtores rurais de Sorriso, a mais rica cidade do agronegócio no país.
Para isso, conta com a atuação que teve nos últimos anos à frente do processo de emancipação de Boa Esperança do Norte e com o acordo político que está em fase de costura na futura cidade para que haja uma candidatura única.
Boa Esperança –que ganhou o “do Norte” para diferenciar de outras cinco já existentes no país– foi oficializada após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) depois de mais de 20 anos de luta, com o desmembramento de Sorriso e de Nova Ubiratã.
Tornou-se o 5.569º município brasileiro e debutará nas eleições de 2024. Já há no país três Boa Esperança (MG, ES e PR), uma Boa Esperança do Iguaçu (PR) e Boa Esperança do Sul (SP).
Com 7.000 habitantes no núcleo urbano –e estimados outros 3.000 a 5.000 na zona rural–, ela chegou a ser emancipada em 2000, mas o Tribunal de Justiça de MT declarou a lei de sua criação inconstitucional após mandado de segurança impetrado por Nova Ubiratã, que cederá 80% da área do novo município. O restante será desmembrado de Sorriso.
“Trata-se muito ‘criou município de Boa Esperança’. Isso é equivocado, não criou nada agora. Foi criado no ano 2000 com a lei 7.264/2000 […] . A gente sabe da realidade do país hoje que não é favorável [a criar outros municípios], mas o nosso estágio, a nossa situação econômica, é bem diferente”, diz Calebe.
“Somos uma cidade dentro de outra cidade. Tem alguns estudos econômicos nossos, da Secretaria da Fazenda de Sorriso, que [indicam que] deveremos entrar em poucos anos entre as 20 economias do estado, pelo tamanho da área, realidade econômica, característica agrícola que nós temos”, completa.
Segundo Calebe, o grupo formado principalmente por produtores rurais trabalha em busca de união para que haja candidatura única, mas ele não descarta que haja concorrência.
“Temos um grupo das famílias mais tradicionais aqui, inclusive as famílias que ajudaram a transformar Boa Esperança no que ela é, que está trabalhando num consenso de união para soltar uma candidatura única. Eu coloquei meu nome à disposição para eles, se acharem que é o mais indicado para essa fase que a gente tem, eu vou ser um soldado”, disse Calebe, filiado ao PSDB.
Depois de ter ocupado o cargo de subprefeito de 2017 a 2020, ele reassumiu a função em 30 de março deste ano e, na posse, disse que trabalharia para a emancipação do distrito e que queria contar com a ajuda de Volmar Lohmann, que deixava o cargo.
No início deste mês, Calebe esteve com o prefeito de Sorriso, o também tucano Ari Lafin, no TRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso), em visita em que o governante afirmou que aguarda um acórdão do STF sobre os próximos passos para a instalação de Boa Esperança.
No ainda distrito, moradores ouvidos pela Folha relatam que, caso o subprefeito confirme no próximo ano que estará na disputa, o mais provável é que não haja concorrentes. Calebe, porém, disse que a hipótese de ter um adversário existe.
“A ideia é [candidatura única], mas a gente ouve algumas coisas de gente que prefere uma coisa um pouco mais democrática e acha que tem de ter alguma disputa. Na verdade a gente vai saber em abril, março do ano que vem”, disse.
A família Francio é originária do norte da Itália e chegou ao Brasil nos séculos 19 e 20. Em Sorriso, a família produz principalmente soja e milho.
Alberto construiu o primeiro imóvel de Boa Esperança em 1979. Após se separar de seu antigo sócio, ficou com algumas glebas na região do distrito, que se desenvolveu a partir de 1986, mesmo ano da emancipação de Sorriso, até surgir o pedido de emancipação no ano 2000.
O processo de desenvolvimento foi impulsionado por uma colonizadora criada por ele, que fez com que surgissem lotes e o consequente povoamento. O escritório da família fica na praça central da futura cidade, que fica a cerca de 350 km de Cuiabá.
Contribui para a candidatura eleitoral isolada, na avaliação de produtores ouvidos pela Folha, o fato de os grandes fazendeiros de Boa Esperança do Norte morarem no distrito, ao contrário do que ocorre em cidades vizinhas.
Isso, dizem eles, faz com que haja mais união inclusive com funcionários. Alberto disse concordar.
“O que aconteceu é que os fazendeiros moram em Boa Esperança, não 100%, mas a maioria. Em [Nova] Ubiratã, por exemplo, os fazendeiros moram em Sorriso, fazendeiros de [Santa Rita do] Trivelato moram em [Nova] Mutum. Por isso somos muito beneficiados, porque qualquer reunião que você faça, tem o funcionário, mas tem o patrão também. Casos [de violência no distrito ou outros tipos de problemas] não temos.”
Alberto diz que, com a transformação em município, um dos focos de investimento deve ser a área de serviços, que aponta como deficitária no município. “Vamos ver se ele ganha, primeiro”, afirma o patriarca ao ser questionado sobre a possível candidatura do filho.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Nova Ubiratã não comentou o assunto.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), também foi procurado, mas não quis comentar. Quando o STF decidiu pela oficialização de Boa Esperança do Norte, ele afirmou ver com “reserva” a decisão.
O município, 142º do estado, fica distante 132 km de Sorriso, que apoiou todo o processo de emancipação, e a 73 km de Nova Ubiratã.
Nascerá com população maior que 50 cidades mato-grossenses e a estimativa é que, em poucos anos, figure na lista das mais ricas do agronegócio no estado —Sorriso é o município mais rico do setor no país, enquanto Nova Ubiratã é a sexta colocada no ranking.
A decisão favorável a Nova Ubiratã foi revertida em 6 de outubro, quando o STF julgou ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pelo MDB e validou por 8 votos a 3 a lei que criou o município.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, votou contra a emancipação e destacou jurisprudência que aponta para a inexistência de lei complementar federal que trate do assunto, o que impediria a criação, fusão, incorporação ou desmembramento de novos municípios.
Mas prevaleceu no julgamento a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, para quem a lei estadual que criou o município em 2000 preencheu todos os requisitos exigidos pela legislação da época.
Ao votar, Gilmar argumentou que o TJ-MT não poderia declarar a inconstitucionalidade por meio de mandado de segurança e disse que Boa Esperança do Norte reúne condições sociais e econômicas para se tornar um município.
O entendimento foi seguido por Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e Rosa Weber, que deixou a corte em 30 de setembro.