Quando chegou ao município de Rondonópolis, no Mato Grosso, Norma Rampelotto Gatto não poderia imaginar a jornada pela qual passaria até se tornar produtora rural referência em sua região. A (hoje) produtora nasceu no interior gaúcho, no município de Salto de Jacuí, chegou ao MT em 1979 e até 2000 era uma esposa e mãe de três filhos cuidando de sua família. No fim daquele ano, no entanto, o assassinato do marido, de 47 anos de idade, por um funcionário insatisfeito, dentro da fazenda, mudou o curso de sua história.
A tragédia poderia interromper o promissor desenvolvimento da fazenda que foi a segunda propriedade de todo o estado do Mato Grosso a sair do plantio de arroz para a soja. Poderia.
Com muita determinação, conforme a própria Norma Gatto contou em entrevista ao Giro do Boi exibida nesta quinta, dia 20, ela encontrou motivação no futuro de seus filhos, Igor, Felipe e Eduardo, que então tinham entre 9 e 17 anos de idade, para sustentar sua família e de quebra ajudar o estado a se tornar o maior produtor de grãos do Brasil e detentor também do maior rebanho de gado de corte.
“Graças a Deus, com o tempo, a gente vai esquecendo e amenizando. Mas eu era filha de um agricultor e eu falava para o meu pai que eu jamais ia casar com um agricultor, mas acabei casando e me tornando uma agricultora também. Eu lembro que a vida do meu pai não era fácil, era bem difícil”, lembrou.
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Norma, que até então visitava a propriedade para fazer companhia ao seu marido e por lazer mudou o seu papel dentro da fazenda. “Eu tive que assumir. No momento, lógico, havia oportunidades, ou arrendamento ou vender, mas a minha preocupação sempre foi com os meus filhos. Se eu desistisse naquele momento, o que seria para eles? Que exemplos eu ia dar? E eu resolvi fazer a tentativa de assumir o negócio”, decidiu. “Eu falo que Deus não me deu a mão, Ele me carregou no colo. As coisas foram tão difíceis e tão complicadas que eu não sei como que eu (consegui), mas hoje eu tenho orgulho da minha equipe. Sozinha você não é nada”, acrescentou.
Atualmente, seus filhos já são participativos na fazenda – um deles formou-se em engenharia agronômica, outro fez engenharia agrícola e outro economia. “A gente (Norma e seu esposo) sempre falava que não tinha necessidade de eles irem pro agro, o que a gente queria é que eles fossem felizes com a profissão. Mas foram todos (para o agro), então isso dá um orgulho”, confessou.
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A família possui hoje três propriedades nos municípios de Itiquira, Ipiranga do Norte e outra que fica entre Canarana e Querência. Norma contou que busca sempre produtividade da soja acima das 70 sacas por hectare, afinal, sete é seu número de sorte, contou sorrindo na entrevista ao Giro do Boi.
A propriedade faz parte de um grupo de produtores da região e o objetivo de Norma sempre foi estar à par de seus colegas de associação em relação ao desempenho da fazenda. “O meu desafio era me igualar aos produtores deste grupo que eu fazia parte porque a gente é referência em nível nacional. A gente faz um grupo de análises e resultado, não existe uma competição, mas a gente faz comparações anuais. […] E eu, no primeiro momento, nos primeiros anos, comecei a ficar entre os três melhores. Hoje já está um pouco diferente, mas isso me dava força e garra para eu dar continuidade. Eu estava no patamar dos homens e isso significou muito pra mim”, admitiu.
“Se você faz as coisas com o coração, com amor e dedicação, elas acontecem. E não é porque eu sou mulher, eu nunca me senti diferente de ninguém, eu sempre me coloquei, eu não sei se eu fechei meus ouvidos, se eu olhava pra frente ou o que era, mas eu nunca percebi preconceito nenhum”, assegurou.
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Norma Gatto falou ainda sobre a importância de adotar em suas propriedades a integração da lavoura com a pecuária. “Melhora a produção da soja, você consegue ter mais boi dentro da fazenda porque na época da seca você tira os animais do pasto, aduba ele, deixa ele lá, repousando, e leva todos para a agricultura. Então isso tem uma coisa muito importante tanto para agricultura quanto para a pecuária”, enalteceu.
Além de produtivo, o sistema também está em linha com a sustentabilidade do agronegócio. Até por isso, Norma contou que ataques infundados ao setor a entristecem. “Isso é uma coisa que entristece o agronegócio porque a gente preserva. […] Os animais não chegam perto de córregos, a gente faz cerca, não deixa chegar, a gente tem as reservas, tem um cuidado intenso porque aquela é a nossa casa, é dali que nós vamos tirar os nossos grãos, os animais, a carne. […] A gente preserva e preserva muito! E o que falam aí às vezes deixa a gente um pouco triste. Na minha concepção, eu acho que é uma forma de fazer com que o Brasil demore um pouco mais para ser o chefe do mundo, então eles fazem de tudo para botar a gente para baixo, mas eu tenho certeza que vai chegar uma hora, com o governo atual, as coisas vão realmente mostrar a cara”, exaltou.
Norma Gatto finalizou sua entrevista contando o segredo de como mantém seu ânimo para enfrentar as dificuldades da vida. “Eu sabia que eu tinha fazer acontecer, então este foi o meu objetivo. Fazer acontecer pelos meus filhos. Hoje eu me preocupo muito com meus netos e nunca deixar de ter objetivos na vida. Eu acho que você chegar a um patamar e pensar “ah, mas eu já conquistei tudo” – eu vou morrer e isto não vai acontecer na minha vida. A gente tem que estar sempre em busca de alguma coisa que é para você estar sempre à frente”, sugeriu.