Deixar a família, amigos, casa, empresa e tudo para trás para viver o sonho de doar seu tempo e energia para ajudar pessoas em situação extrema de vulnerabilidade, a mais de 8 mi km de distância de Mato Grosso.
Essa foi a decisão que Amanda Morais Koehler, de 36 anos, tomou para a sua vida há 7 meses quando resolveu que iria para o continente africano, mais especificamente na República Democrática do Congo. Ela foi morar em uma vila na montanha e realizar o trabalho voluntário no Fraternidade sem Fronteiras, onde atua como engenheira civil e também coordenadora financeira do projeto Órfãos do Congo.
Antes da mudança, ela, que é natural de Mineiros (GO), morou por um longo período em Mato Grosso, passando por diversas cidades do estado, como Campo Novo, Primavera do Leste, Sorriso, Cuiabá e Nova Mutum.
Apesar de sempre ter se envolvido com trabalho voluntário ao longo da vida e ser ativista por várias causas, antes da mudança, Amanda tinha uma empresa em sociedade com a irmã e o pai desde 2012, na qual atuavam na área de construção civil. Ela, como engenheira, a irmã arquiteta e o pai construtor, o que durou em torno de 10 anos.
Mesmo desempenhando seu trabalho na área da melhor forma que podia e gostar do que fazia, de algum modo não se sentia completa. “Eu sempre tive uma insatisfação na minha profissão, apesar de fazer ela com uma maior responsabilidade do mundo e tudo mais, não me preenchia, tinha aquele vazio existencial danado”, explica.
Amanda diz que enquanto ainda estava no Brasil ajudava financeiramente cerca de 8 projetos. Ela fazia “bicos” e vendas para retornar os lucros a eles, especialmente para o projeto Jardim das Borboletas, que auxilia crianças com epidermólise bolhosa, uma condição que causa muito sofrimento aos pacientes.
A profissional conta que desde muito nova a questão da infantil sempre a chamou muito a atenção e sonhava em viajar para o continente africano, pois de algum modo sentia que estava conectada com o tema e queria ajudar da forma que fosse possível.
“Quando eu conheci o projeto Fraternidade Sem Fronteiras, em 2017, eu fiquei doida. Eu queria aquilo para a minha vida, eu queria muito participar da organização. Na época, eu pedi por mensagem para o fundador se eu podia vir para qualquer lugar da África que ele me mandasse, para lavar louça, limpar casa, cuidar de menino, ser professora, para construir, qualquer coisa para poder ajudar”, relembra.
“Eu sentia uma infelicidade, não me encaixava no mundo. Então em 2022 eu fui ao encontro anual do Fraternidade sem Fronteiras, e aí eu decidi que eu iria me mudar, nem que eu tivesse que fazer financiamento, eu iria para a África e ficaria 1.015 dias trabalhando em todos os setores”, relata.
E foi isso que Amanda fez. Dissolveu a sociedade com os familiares, que prontamente aceitaram sua decisão e deu início ao sonho. Fez um financiamento e conseguiu ir para o Malawi, onde ajudou em um campo de refugiados durante um mês, em abril de 2023.
De volta ao Brasil e com dívidas, a jovem vendeu o carro ao receber um convite para trabalhar no Congo. Com o valor, pagou o que devia e ainda restou um pouco para se manter no local, já que é voluntária.
Desde julho de 2023 no Congo, a jovem conta que o país agora é sua casa. É onde se sente bem em poder ajudar quem precisa. Apesar dos custos com moradia, transporte, alimentação, Amanda realiza o trabalho de forma voluntária, ou seja, sem remuneração.
O Congo é um país que está em guerra há mais de 30 anos. É considerado um dos mais ricos do mundo em recursos minerais, como ouro, cobalto, diamantes, entre outros, e por isso enfrenta a exploração de outros países em seu território, além de também guerras internas com grupos armados, que já vitimaram milhões de congoleses.
Por conta disso, existem muitos refugiados do Congo no Malawi e em outros países, que fogem dos conflitos para evitar a morte e os frequentes saques e crimes brutais que ocorrem na região.
“É uma história muito triste, um genocídio terrível, um país que sofre muito com a exploração. Existe aqui um genocídio, eu não falo que é guerra, porque a guerra você tem dois lados brigando. Aqui tem uma população sofrendo, sendo morta, as coisas que eu vejo aqui são horríveis”, desabafa.
Devido a estes conflitos, milhares de crianças ficam órfãs. Algumas são resgatadas pelo projeto em que Amanda atua e encaminhadas para centros de cuidados.
São quase 300 crianças em um dos projetos, em uma vila no topo de uma montanha. Lá, Amanda ajudou a construir uma escola e também casas. No outro projeto são 44 meninos, mas está em processo de expansão para atender 100 crianças.
“Eu me sinto como uma mãe para essas crianças maravilhosas. Me envolvo na alimentação, me envolvo em tudo, porque a gente tem poucos voluntários aqui”, relata.
Normalmente os pequenos chegam atônitos, calados, debilitados, extremamente desnutridos, com ossos aparentes. Poucos dias depois de resgatados se recuperam e conseguem finalmente brincar e sonhar.
“Eu larguei tudo e hoje eu vivo aqui muito feliz. Embora sejam muitos desafios, banho de caneca de vez em quando, água fria, sem geladeira e conforto zero, além de muito trabalho, estou feliz da vida aqui, realizando um propósito. Eu costumo dizer que eu preciso do projeto muito mais que o projeto precisa de mim. As crianças são maravilhosas. Parece que existe uma nuvem de esquecimento aqui que permite elas serem felizes de novo”, afirma.
Mesmo sentindo muita falta da família, da cultura e da comida do Brasil, Amanda diz que gostaria de permanecer no Congo, e não pretende voltar. “Se depender de mim, eu não voltaria. Eu sou apaixonada pelo meu trabalho aqui, como nunca fui”, diz.