Posso fazer qualquer coisa", afirma o estudante universitário Paulo*, 22, que vive com HIV há dois anos. O HIV é o vírus da Aids e ataca, duramente, o sistema imunológico. Mesmo assim ele afirma que, tomando a medicação corretamente, pode correr, nadar e pular de paraquedas. "É a mesma coisa para todo mundo. A diferença é que preciso tomar remédios diários, mas tem várias outras pessoas que também tomam, para ansiedade e depressão, por exemplo"
Desde 1988, 1º de dezembro é o "Dia Mundial de Combate a Aids". Dados de boletim sobre a síndrome, divulgados pela Secretária de Estado de Saúde (SES) em dezembro do ano passado, mostram que, em Mato Grosso, jovens de 20 a 29 anos lideram, com folga, lideram as estatísticas de 2015 e 2017. Desde 2007, a porcentagem de diagnósticos para cada 100 mil habitantes saltou de 4,5% para 52,7%,
Para a coordenadora de vigilância epidemiológica da SES, Alessandra Moraes, o número é alto e a tendência aponta para um crescimento da infecção entre os universitários, como Paulo.
Relato
O jovem conseguiu detectar o vírus poucos meses após ser infectado. Em 2018, junto com o namorado, ele buscou o Serviço de Atendimento Especializado (SAE) no bairro Grande Terceiro, em Cuiabá, para se testar novamente. "Só para saber se estava tudo certo". E teve a surpresa do diagnóstico positivo.
Muitas mortes na década de 80
O conflito de gerações explica parte do aumento de infecções por HIV/Aids entre universitários. Segundo a coordenadora de vigilância epidemiológica Alessandra Moraes, jovens nascidos já a partir dos anos 2000 desconhecem o que aconteceu nos 1980 e 1990. Novidade para a época, a infecção atingia seu auge, minando pouco a pouco as forças dos infectados e causando mortes pelo mundo.
O medo do HIV era um fantasma no cotidiano dos jovens daquele tempo. Receber a notícia de ser portador do vírus era, além de sinal de estigma, uma sentença de morte. O desconhecimento levava a preconceitos, principalmente contra a população LGBT, com a qual a infecção foi (e ainda persiste em ser) taxada.
"Hoje, a gente observa que os nossos jovens não têm preocupação. Eles desconhecem o que aconteceu no auge da epidemia de aids aonde tinha uma sobrevida muito curta. Com isso, eles mantêm relações desprotegidas. A principal causa da transmissão, sem sombra de dúvida, é a sexual".
Cerca de 43,4% dos adolescentes e jovens do país, entre 15 e 24 anos, não buscaram usar o preservativo em relações sexuais com parcerias casuais. Para companheiros fixos, o percentual salta para 65,8%. Os dados são da Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira, do ano de 2013, organizados pelo órgão federal.
"É um descompromisso com a sua própria saúde de não buscar usar o preservativo. É sempre aquela cultura de ‘acontece com meu amigo, mas comigo nunca vai acontecer’. E aí é que se engana porque não está escrito na testa de ninguém que ela tem HIV. Hoje, não tem como você saber se uma pessoa tem a infecção por que a condição de vida dessas pessoas melhorou muito", acrescenta.
Para Alessandra, outro fator que contribui para o aumento, não somente para universitários neste caso, é a falta de compromisso de se testar regularmente. "Mesmo tendo relações desprotegidas", pontua. A coordenadora aponta que muitos podem já estar infectados e não sabem por que não se preocupam em fazer o teste.
Pesquisa do MS aponta também que apenas 25,2% dos adolescentes e jovens do país fizeram o teste para HIV alguma vez na vida. As mulheres são mais preocupadas e representam 39%, e os homens são somente 13,9%. Na região centro-oeste, 63,9% das pessoas ouvidas, que tinham de 15 a 64 anos, nunca fizeram.
O desleixo dos jovens, explica Alessandra, faz com que busquem ajuda médica somente quando a infecção demonstra seus primeiros sintomas, ou seja, quando o HIV se torna Aids. "Uma semana de serviços (de postos de saúde e centros especializados em Mato Grosso) foram diagnosticados 25 casos. É um número muito alto para cinco dias. E a maioria deles casos são jovens universitários", relata.
Casos em MT
Mais de 13 mil pessoas vivem com a infecção em Mato Grosso, segundo MS. O Estado tem se equilibrado e mantido uma média de 200 a 300 casos de Aids, além de 700 a 800 de HIV, por ano, segundo Alessandra.
"Mas ele pode ser mais. O Ministério da Saúde estima que 120 mil pessoas no Brasil desconhecem sua condição. É um número muito alto de pessoas. Elas estão espalhadas no Brasil inteira e, com certeza, em Mato Grosso temos um quantitativo disso".
"Precisamos a voltar a falar de preservativo para esse público", adverte Alessandra, que também alerta os jovens a fazer o teste, que é gratuito pelo SUS. Ela acrescenta que, além da camisinha, o MS tem também estimulado o uso de medicamentos para antes e depois da exposição ao HIV/Aids.
"Mas a população jovem em geral não é habituada a esse uso de medicamento. O preservativo ainda é o meio mais eficaz, prático e o de melhor disponibilidade, apesar de que alguns têm resistência ao uso. A medicalização é mais uma opção, mas não pode ser a única. Sexo seguro é com preservativo. Isso é o que faz a diferença".
A vida depois de descobrir o HIV
Após descobrir o HIV, Paulo teve medo da reação da mãe. Por isso, demorou em contar para ela. "Estava com medo de ser ruim. Mas, quando contei, ela foi muito positiva. Ela já tinha passado algo parecido com um amigo e essa experiência foi um preparatório para ela entender o que eu estava passando no momento. Me deu um apoio muito grande. Tirou o peso de um mundo das minhas costas".
O jovem sabia que também enfrentaria o preconceito. "Desde o começo, sempre achei que, para as pessoas que contasse, eu perderia a amizade de alguns amigos e parentes". Mas, para sua surpresa, eles foram compreensivos com Paulo, que afirma que nunca sofreu constrangimentos por causa da doença até hoje.
"Me deram o apoio que eu estava precisando na época. Até hoje não sofri preconceito por causa disso. Pelo menos das pessoas que sabem. Isso foi muito bom. Mas eu tenho medo de contar para alguém e ser rejeitado. Não sei qual vai ser minha reação caso isso aconteça", revela.
O estudante temia ainda os efeitos colaterais do remédio. "Mas não teve nada de diferente", conta. A única restrição que se impôs, no começo da medicação, foi limitar comidas pesadas e calóricas. Mas, depois de algum tempo, seu corpo se acostumou aos dois remédios que toma por dia e, hoje, não sente nada, garante.
Atualmente, ele ainda é acompanhado por uma variedade de especialidades médicas no SAE, como psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, infectologistas e outros especialistas. Não tem críticas sobre o trabalho dos profissionais e relata que eles foram essenciais para mudar sua visão sobre a doença. De acordo com Alessandra, toda pessoa diagnosticada com HIV é assistida pelo SAE.
Por conta desta assistência, Paulo disse que não se sente seguro em se mudar de Estado ou fazer um intercâmbio internacional, já que precisa buscar os remédios a cada 2 ou 3 meses e não sabe, se vai encontrar em outra cidade, a mesma disponibilidade que daqui de Cuiabá.
Paulo informa que abriu mão ainda de outros projetos. Uma delas foi de desistir de ser um doador de órgãos. Apesar disso, ele avalia que leva uma vida tranquila depois do HIV. “Na minha cabeça, na época, eu achei que ia mudar muita coisa. Agora, eu falo que a minha vida ficou um pouquinho mais saudável”, acrescenta.