uando votou pela cassação do mandato da senador Selma Arruda (PSL-MT), o ministro Luis Felipe Salomão, do Tribunal Superior Eleitoral, mostrou-se especialmente preocupado com a cronologia dos fatos. A senadora, que era juíza antes de se eleger senadora, negociou a candidatura com o PSL “com a toga no ombro”, disse o ministro: a aposentadoria dela só foi autorizada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso depois que ela já havia se filiado ao PSL e já havia anunciado sua candidatura.
Diante dos fatos, Salomão propôs que a magistratura começasse a discutir uma “quarentena efetiva” para que juízes deixassem a toga para se candidatar a cargos políticos. “Com o protagonismo que o Judiciário ganhou nos últimos anos, não me parece que contribua para o processo democrático permitir que pendure-se a toga num dia e no outro se dispute o pleito”, disse o ministro, num comentário durante o voto. A sugestão dele é que a quarentena fosse longa, “de uns dois anos”. “Alguma coisa para inibir essa questão, que seguramente virá à tona no futuro.”
A condenação da senadora não foi trivial. Quando juíza, Selma chamava a si própria de “Moro de saia”, diante do orgulho que tinha em pesar a mão para condenar réus famosos – especialmente políticos – e em ignorar os pedidos da defesa. Como candidata ao Senado, pegou R$ 1,5 milhão emprestados de seu candidato a suplente e os usou em sua campanha, deixou de declarar dinheiro arrecadado e se autofinanciou em valores maiores que o permitido em lei. Tudo isso durante a pré-campanha e apenas semanas depois de ela ter deixado a magistratura.
Salomão é juiz de carreira e tem quase 30 anos de magistratura. E sabe que misturar judicatura com política não costuma dar bons resultados.
Inimigo
O caso de Selma é exemplar. Em agosto deste ano, a 1ª Câmara Criminal do TJ de Mato Grosso anulou, por suspeição, condenação a 18 anos de prisão por peculato imposta por ela ao conselheiro do Tribunal de Contas do estado Humberto Bosaipo. No entendimento dos desembargadores, Selma julgou o caso por “interesse pessoal” na repercussão da prisão do réu famoso na região. Na época da condenação, em 2015, ela já planejava se candidatar.
A decisão, unânime, se baseou em depoimentos de duas assessoras de Selma Arruda. Uma delas, que trabalhou menos de dois anos com a juíza até ser demitida por ela por “atitudes pouco republicanas”, disse que sua chefe dava prioridade a casos “de repercussão social” porque já pensava em se candidatar a senadora. A informação foi confirmada por outra assessora, que trabalhou mais de dez anos com Selma Arruda.
O caso de Bosaipo é um dos que fizeram a juíza se dar o apelido de “Moro de Saias”. Outros foram o do ex-governador Silval Barbosa e o do ex-presidente da Assembleia Legislativa José Riva. De acordo com as assessoras, a ordem de Selma Arruda para esses casos era dar andamento a todos os pedidos do Ministério Público e ignorar os da defesa. O objetivo era dar provimento aos requerimentos da acusação para aproveitar a repercussão do caso na imprensa local e aparecer como uma espécie de xerife.
Vacina antirréu
Um dos motivos para o TSE cassar o mandato de Selma Arruda foi a contratação da produtora Genius At Work para produzir material de campanha antes do período autorizado pela legislação eleitoral. O contrato foi pago com o dinheiro emprestado pelo candidato a suplente da ex-senadora.
O depoimento da assessora sobre a suspeição de Selma foi tornado público em maio de 2018, às vésperas da eleição, e a ex-juíza já era a favorita. Por isso ela precisava neutralizar o dano causado pelo depoimento. A estratégia foi desenvolver uma “Vacina Bosaipo”, junto com a Genius At Work.
De acordo com reportagem do site Gazeta Digital, de Cuiabá, a vacina consistia em convocar entrevistas coletivas e divulgar vídeos nas redes sociais para atacar o conselheiro do TCE.
Tudo isso demonstrou que Selma Arruda apresentou “predisposição condenatória” em relação a Bosaipo. E, segundo suas assessoras, essa tendência era por causa da repercussão que o caso vinha alcançando na imprensa local. Eram processos classificados por ela, no sistema processual, como “de relevância social”, segundo essa assessora.
“Os juízes não são neutros”, ponderou o relator da exceção de suspeição de Selma Arruda, desembargador Marcos Machado. “Têm suas preferências, opiniões e interesses, mas a motivação primária e principal no exercício da função jurisdicional deve ser a valoração imparcial dos elementos fáticos e jurídicos relevantes”, disse, explicando o óbvio a uma juíza com mais de 20 anos de carreira.