Após postar imagem no status do Whatsapp sobre a apuração dos votos à Presidência nas eleições de 2022, uma diarista de Tangará da Serra foi dispensada com uma mensagem dizendo que ela não precisaria mais comparecer ao trabalho. O ex-patrão deverá indenizar a trabalhadora eleitora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em R$ 14 mil, mais juros e multas.
A justificativa era o posicionamento político sobre a questão eleitoral compartilhado pela trabalhadora. "Boa noite Tatá, não precisa mais vir trabalhar tá bom. Vai vir outra pessoa a partir de amanhã... quem acha que roubar é bonito aqui em casa não entra.....vlw....e sem chororô por favor. Voto é livre assim como meu direito de escolher quem irá trabalhar pra mim. Boa noite", dizia a mensagem.
O caso foi levado à 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra. Apesar de notificada, a pessoa que contratava os serviços da diarista não compareceu à audiência e nem apresentou defesa. Ao julgar a demanda, o juiz Mauro Vaz Curvo concluiu que a dispensa por motivações políticas e eleitorais foi abusiva e discriminatória.
O magistrado lembrou que a rescisão do contrato de trabalho não é um direito irrestrito e absoluto, pois está limitado, pela Constituição Federal, aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho. Também é a Constituição, apontou o magistrado, que assegura o pluralismo político e a liberdade de consciência e protege o exercício dos direitos de cidadania, “o que abrange o direito ao voto e a liberdade de escolher o candidato à Presidência da República que melhor atenda a seus interesses individuais ou sociais”, enfatizou.
A decisão registra ainda que o combate aos abusos na relação de trabalho está previsto também no Código Eleitoral brasileiro, que estabelece a criminalização das condutas praticadas por empregadores e tomadores de serviços que interferiram na escolha do voto do trabalhador.
Ao julgar o pedido da diarista, o juiz destacou que, embora haja liberdade para escolher quem contratar e dispensar, justificar o término da prestação de serviços por motivos políticos e eleitorais é um ato abusivo. Isso porque a conduta contraria os direitos de liberdade, de não discriminação, de expressão do pensamento e à sua dignidade, listou o magistrado. A dispensa discriminatória constitui “uma verdadeira violação ao Estado Democrático de Direito que tem como um de seus pilares o direito ao voto e a manifestação política, direitos invioláveis de todos os cidadãos brasileiros”, acrescentou.
A sentença destaca ainda a infração de normas internacionais aplicáveis no Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e as disposições das convenções 111 e 117 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Todos eles consagram a liberdade de consciência como direitos humanos fundamentais e proíbem práticas discriminatórias com base em opiniões políticas.
Com a comprovação da dispensa discriminatória, o juiz condenou o ex-contratante a pagar à diarista o valor de R$ 14 mil reais de compensação por dano moral.
O juiz indeferiu, no entanto, o pedido da trabalhadora de receber a remuneração em dobro pelo período de afastamento. Denominada de indenização substitutiva, essa possibilidade de ressarcimento está prevista na CLT para o caso de rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório envolvendo empregados.
O direito não é garantido à diarista por não haver vínculo de emprego entre as partes. “Ainda que comprovada a ilicitude e o caráter discriminatório da resilição unilateral, a autora não faz jus ao recebimento da remuneração em dobro do período de afastamento por não ser empregada”, afirmou o magistrado.
Após ser condenado, o contratante recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho. No entanto, o recurso foi julgado deserto pelos desembargadores, uma vez que o réu não fez o recolhimento das custas processuais. Com isso, o caso transitou em julgado e a decisão não pode mais ser modificada.
O juiz também determinou o envio de cópia do processo ao Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério Público Eleitoral e Ministério do Trabalho e Previdência para providências no âmbito da competência de cada um desses órgãos, tendo em vista a comprovação de dispensa discriminatória por motivo político-eleitoral.