Para quem nasceu depois dos anos 1990, parece estranho pensar em uma doença viral que causa paralisia permanente nos infectados — mas, sim, ela existe. Desconhecida pelas novas gerações, a poliomielite — também conhecida como pólio e paralisia infantil — pode voltar a ser um desafio para a saúde pública nos próximos anos, segundo autoridades médicas. Isso porque as taxas de vacinação estão em queda, favorecendo a sua volta ao Brasil.
Para entender o que é poliomielite e quais os riscos da doença voltar a ser registrada no Brasil, o Canaltech conversou com a médica pediatra Saskia Coppens, da rede de clínicas AmorSaúde.
"A poliomielite, que pode ser fatal, chegou a ser uma das doenças mais temidas no mundo. Com o advento das vacinas, passou de pesadelo público a uma doença praticamente erradicada e desconhecida da população", adianta a especialista.
Como consequência, menos crianças são imunizadas contra a doença no Brasil. Aqui, vale destacar que o problema da vacinação não parece estar associado apenas à pólio. Segundo o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a taxa geral de vacinação está em queda no país. Em 2021, a cobertura para as vacinas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) foi de 59,50%. Em 2011, era 85,31%.
Para entender, a poliomielite é uma doença contagiosa aguda, causada pelo poliovírus, que pode infectar tanto crianças quanto adultos. Para controlar a transmissão do agente infeccioso que pode causar graves complicações, a maioria dos países e agências internacionais investem na vacinação de crianças, que é a forma mais segura de prevenção.
Apesar de vacinas serem distribuídas gratuitamente em vários países, a doença ainda não foi erradica, como já aconteceu com a varíola (smallpox). No momento, a infecção é endêmica no Afeganistão, na Nigéria e no Paquistão e, neste ano, os Estados Unidos registraram o primeiro caso importado em quase uma década.
Em casos graves, a poliomielite pode acarretar paralisia nos membros inferiores e, por isso, recebe o nome de paralisia infantil. "Quando a pessoa contrai o vírus, ele passa pela boca, espalhando-se pela garganta e intestino — local onde fica hospedado. Ao atingir a corrente sanguínea, o vírus pode chegar ao cérebro e, se isso acontecer, a infecção atingirá o sistema nervoso central, levando a paralisia dos membros inferiores", explica a pediatra Coppens.
"Em um caso a cada 200, o vírus destrói partes do sistema nervoso, causando paralisia permanente nas pernas ou braços", afirma a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). "Embora muito raro, o vírus pode atacar as partes do cérebro que ajudam a respirar, o que pode levar à morte", acrescenta a Opas sobre o outro tipo de paralisia.
O vírus da pólio é transmitido através do contato entre pessoas — do espirro ou da tosse —, mas também pode ser contraído a partir de alimentos ou água contaminada por fezes de uma pessoa que já está doente. "Uma pessoa infectada pode espalhar o vírus para outras pessoas imediatamente antes e até 2 semanas após o aparecimento dos sintomas", explica o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA.
Entre os principais sintomas da poliomielite, estão:
Além dos sintomas da fase aguda da pólio, a doença pode afetar permanentemente os indivíduos. "As sequelas da poliomielite estão relacionadas com a infecção da medula e do cérebro pelo poliovírus, normalmente são motoras e não têm cura", conta a médica Coppens.
As principais sequelas da poliomielite são:
Vale observar que não será todo paciente infectado pelo poliovírus que irá desenvolver essas sequelas. No entanto, pessoas contaminadas arriscam enfrentar estes problemas permanentes de saúde.
Também é importante destacar que essas sequelas da poliomielite, como o pé equino, não podem ser "curadas" com medicamentos e, na maioria das vezes, são irreversíveis na vida do paciente.
"As sequelas da poliomielite são tratadas com fisioterapia, por meio da realização de exercícios que ajudam a desenvolver a força dos músculos afetados, além de ajudar na postura, melhorando assim a qualidade de vida e diminuindo os efeitos das sequelas. Além disso, pode ser indicado o uso de medicamentos para aliviar as dores musculares e das articulações", detalha a pediatra.
Para resumir, "não existe tratamento específico, todas as vítimas de contágio devem ser hospitalizadas, recebendo tratamento dos sintomas, conforme o quadro clínico do paciente", esclarece Coppens.
No Brasil, o último caso oficial da poliomielite foi identificado em 1989. Passados cinco anos, em 1994, o país recebeu o certificado de erradicação da doença. Desde então, não existem registros de crianças ou adultos infectados pelo poliovírus.
Isso somente foi possível pelas campanhas de vacinação em massa, que ocorrem até os dias atuais. Nessa onda pela vacinação, surgiu o personagem Zé Gotinha.
Na última quinta-feira (6), autoridades de saúde do Pará anunciaram que estão investigando um possível caso de pólio em uma criança de 3 anos. Até o momento, a Secretaria de Saúde do estado (Sespa) explica que outras hipóteses de diagnóstico ainda estão sendo estudadas.
No Brasil, os primeiros relatos sobre a imunização contra a pólio datam o ano de 1955 e estão concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, em artigo para a revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos.
No entanto, as primeiras campanhas de vacinação em massa começaram a ocorrer a partir dos anos 1960 e, até hoje, acontecem anualmente, com foco em bebês e crianças pequenas.
Atualmente, o Calendário de Vacinação Nacional, do SUS, orienta que crianças de 4 anos já devem estar com 5 doses da vacina contra a poliomelite, o que deve ser feito no seguinte esquema:
Em maio deste ano, a Opas incluiu o Brasil em uma lista de alto risco de reintrodução da poliomielite, ou seja, é possível que novos casos da paralisia infantil voltem a ocorrer entre os brasileiros. Ao lado do país, estão a República Dominicana, o Haiti e o Peru. Em comum, todos enfrentam baixa cobertura vacinal contra a pólio.
Segundo o Ministério da Saúde, 54,21% das crianças que têm entre um e até quatro anos foram imunizadas contra a poliomielite na atual campanha de imunização. Os dados foram divulgados na última sexta-feira (30) de setembro.
A pediatra Coppens explica que este é "um dos piores níveis da série histórica. Para garantir que a doença permaneça erradicada do país, ao menos 95% das crianças devem estar vacinadas". Buscando contar o problema de saúde pública, novas estratégias devem ser adotadas para garantir a volta da boa cobertura vacinal contra a poliomielite.